Sexta-feira 13. De julho. Dia mundial do rock. Noite, agora,
já passava das sete da noite. E bares, gentes, carros, luzes as mais variadas e
coloridas, gordas, com música ao vivo, possantes, barulhentos, sedentos,
estroboscopicamente entrando e saindo de mesas, balcões, pubs, mercados,
farmácias, pets... Downtown fervilha. Em cadeiras verdes de plástico pedimos
cervejas, caipiras, whiskys, vodkas e tequilas, porque ninguém é de ferro. En
passant, lambuzamo-nos com oleosos e amarelados retângulos de polenta por sobre
iscas de calabresa, ovos de codorna, queijos quadrados imensos e, pra depressão
geral da mesa, corações e corações de galinhazinhas que, há tempos, foram
aqueles pintinhos amarelinhos, feito bolinhas de tênis emplumadas, fazendo piu,
piu... piu, piu. Mas, azar deles. Pedimos outra ceva e mudamos rapidamente de
assunto. E imediatamente lembramos dos Anárquicos e Calculados, que em minutos
estariam à nossa frente ali na João Alfredo com a Travessa do Carmo. Showzaço.
Borges e Pâmela, meus parceiros de noite, fizeram suas breves explanações
cultural-musicais sobre a banda, suas músicas preferidas, performances
anteriores e, já de pé, tomamos o rumo do barulho, que já se ouvia a duas
quadras dali. Ao entrar na João Alfredo, os acordes das guitarras nos fizeram
levitar e, assim, flutuamos diante e sobre milhares e milhares de cabeças
loucas, feitas, de nego, dinossauro, ocas, duras... todas. E estacionamos a
metros do trio elétrico onde Samuel Meneghetti já mandava ver sua terceira,
quarta música bem embalada. E a batera mandando ver atrás, com solos que
convidavam a goles e mais goles de cervejas cada vez mais geladas... e a gente
tomando, e dançando, pulando... até começar aquela música, aquele momento,
aquilo que mudaria o rumo de todo aquele dia-noite mundial do rock. Assim que os
primeiros acordes de “O Nome Dessa Rua” ecoaram pelos saguões e corredores e
escadarias dos edifícios da Cidade Baixa, minha mente, meus olhos, meus
ouvidos, meus cento e dezessete sentidos se ouriçaram e brilhou uma ideia que,
porra, vão se fuder, alguém ia ter que ter lá em cima do trio naquela hora...
Claro, caralho! Era dia do rock, a rua estava lotada, todo mundo trilili, o som
alto pra cacete e, no refrão, Samuel gritaria aos quatro quantos da nossa mui
leal e valerosa Porto Alegre que... pãrãrã... “Na Rua da Conquista...aaaa,
Travessa Paraísooooooo”. Pô, é lógico que o Samuel Meneghetti vai sacar e
trocar, de prima, ou na segunda vez que entoar o refrão, por “Na Rua João
Alfredooooooooo, co’a Travessa do
Carmoooooo....”. Meu Deus! Paralíticos andariam. Senhoras emboloradas e cinzentas
jogariam seus rolos de cabelo no asfalto, aos gritos, enquanto grupos de lindas
e reluzentes garotinhas balouçariam seus peitos nus das sacadas trepidantes das
redondezas, além dos casais que, em pleno leito da rua, beijariam-se
apaixonados e ensandecidos a comemorar aquele momento mágico que só o bom e
velho rock’n roll nos proporciona pela vida afora. Mas, e por toda a nossa vida
afora sempre haverão “mas”, mas ninguém teve aquela “minha” ideia. E veio a
terceira vez o refrão, e a quarta, e nada. E Borges e Pâmela já haviam feito um
sinal concordando com a minha sacada, mas nada acontecia. Até ali. Até aquele
instante. Não sei nem como, mas ao tentar correr em direção ao trio, com a lata
de cerveja na mão, tropecei feio em algum objeto no chão e, cambaleante, dei encontrões
em gente que dançava ali na frente, chegando a encharcar de ceva os peitos
voluptuosos e acolchoadamente macios de uma loira que deu o azar de estar bem
ali, naquela hora, naquele lugar, na noite mundial do rock. Os passos seguintes
foram trôpegos e perigosos, pois as banquinhas de bebidas, algodão doce e
churros emparelhavam-se feito colunas militares a avançar sobre mim, por mais
que delas tentasse me desvencilhar. Sentia que a música estava terminando...
precisava avisá-los antes que fosse tarde demais. Nem notei, pelo frenesi de
sons/gritos/luzes/álcool, quando os amigos da loira voluptuosa abriram uma
clareira entre as gentes, indignados, bestializados, endemoniados,
capetalizados, endiabrados, e com álcool nas mentes, encostaram bufando atrás
de mim. Não vi isso. Porque pulava naquele momento escandalosamente em frente
ao trio elétrico berrando “na Rua João Alfredoooo”, Samuel!!! “Co’a Travessa
Paraísooooo...”. Estão me ouvindo? Ei!!! Aqui!! E ao dizer aqui, agarrado ao
trio, caí sobre a pilha de caixas de cerveja e refri, espalhando meu sangue, cacos de vidro
e mais barulho ainda naquela hora. Com o rosto no asfalto, vi que Borges e
Pâmela já se engalfinhavam com amigos dos amigos da gordinha peituda. Os donos
de carrocinhas que tentaram se aproveitar das garrafas que não quebraram foram
imediatamente atacados pelo pessoal das bebidas, que usavam essas para defesa e
ataque. Ouviu-se sirenes, pneus cantando, gritos e, dizem alguns, até tiros
foram disparados. O saldo só se saberia no Diário Gaúcho do dia seguinte,
brincou Borges com sua mochila em farrapos às costas, abraçado a uma sorridente
e sempre bela Pâmela, mesmo depois de vários chutes e croques nas paletas. A
franja, pelo menos, estava impecável. Depois dos pontos e suturas triviais no
HPS, despedimo-nos exaustos e felizes. Saranda pra um, altos da Protásio pra
outra. E eu, trêbado ainda, botei o fonezinho no ouvido, aumentei o som e... zum.
Tomei meu rumo, pensando na noite mundial do rock, nos meus parceiros de festa,
nos loucos acordes de uma guitarra e, claro, nos belos e fartos e voluptuosos e
molhados e macios peitos da loira que, vocês devem lembrar, eu falei algumas
linhas atrás.