sábado, 1 de dezembro de 2012

Voa, passarinho...


Sábado de tarde. O leve mal-estar ainda persistia. Na noite anterior, na despedida de uma colega de empresa, a cerveja gelada foi sorvida por todos com goles os mais antagônicos: alegres, despreocupados, pensativos, saudosos, irreverentes, reverentes... e a cerveja sendo sorvida bem gelada. Não deu outra: aquela dorzinha de cabeça chata, que só pareceu aumentar depois que um toró caiu sobre Porto Alegre no finalzinho da manhã. Mas naquelas: caiu, molhou tudo, secou e levantou um bafão dos mais quentes. Só deitando depois do almoço. O joguinho de futsal do Falcão (ele perdeu!) nem me chamava muito a atenção, por isso mesmo mexia no celular, vendo algumas fotos recentes... Quando aconteceu! Foi tudo muito rápido. Um passarinho minúsculo, que alguns chamam de “sebinho”, espécie que tem uma pequena e quase imperceptível coloração amarela no peito, ou na cabeça (não lembro bem), deu um rasante cinematográfico com pirueta e duplo twist carpado sobre a minha cama. No retorno em direção à janela, creio ter ouvido o roçar de suas asas na porta amarela do armário, tudo em segundos... A minha janela é velha, está estragada, então colocamos uma pedra de granito pra segurar a parte inferior aberta e a de cima fechada. Pois não é que o passarinho resolveu voltar à liberdade pela parte de cima, deu de cara no vidro, bateu as asas meio desnorteado e foi escorregando pra baixo, justamente na parte em que as duas janelas se encontravam. E ali ficou. Preso. De cara. Estressado. Se debatendo, se machucando, apavorado entre os dois vidros. Já tinha pulado da cama, feito a foto em segundos e pensava como tirar o sebinho dali sem machucar mais o cara. E tudo isso muito rápido, meio trash, meio fim do mundo, meio “bah, quê que eu faço, meu Deus!”... Duas tentativas frustradas de separar as janelas me levaram ao plano B, que fiz rápido. Subi numa cadeira e, segurando e empurrando bem a parte de cima com a mão direita, com a esquerda puxava o que dava a outra lâmina. Duas, três, na quarta o passarinho passou entre o vão e, como pássaro que é, saiu batendo asas...
Na boa, não me interessa nem um pouco o resultado do jogo do Grêmio amanhã. O sentimento nessa hora é sobre ter coisas, ter pessoas, ter posses, ter amigos, parentes e paraísos que são só nossos. Cada qual tem os seus, e os trocamos, e compartilhamos, e misturamos os nossos com os dos outros e tudo vira essa geleia geral chamada vida. E eu gosto disso. De psiquiatrizar tudo isso. Só que durante esse emaranhado de trocas, compartilhamentos e misturas, pagamos o caríssimo pedágio das perdas, das despedidas, dos tchaus que muitas vezes serão os últimos mesmo. E isso é foda!
Não tenho como não pensar em saudade, em tristeza, em final, depois de perdas profundas e incicatrizáveis de pessoas insubstituíveis nos últimos meses. E o Olímpico e o meu Grêmio ainda vêm colocar toneladas e mais toneladas de concreto e ferro sobre essa cabecinha um tanto quanto sofrida por perdas, despedidas, finais, viagens sem volta... Na foto, lá atrás, quase aparece a minha casa. Eu sentia, até mesmo dali, a respiração do estádio. Isso durante anos, anos e anos.
Mas não. Dor é inevitável, sofrimento é opcional. Esse passarinho veio me avisar que o novo está ali na esquina. É só nos focarmos nisso. Talvez no próximo dia de trabalho, no jogo do teu time do coração, naquela viagem tão sonhada, o beijo finalmente dado. O curso. O mestrado. O sitiozinho na beira de uma lagoa. Um filho. Um filme... Faça a sua lista, e vá à luta.  Ah, voltando ao passarinho: ele, o desastrado piloto sebinho, poderia ter morrido ali prensado entre dois vidros se não houvesse alguém que o ajudasse. E coube a mim a feição, a mão, a lição. Valeu, sebinho. Valeu, passarinho. Voa, passarinho!

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Rock in night


Sexta-feira 13. De julho. Dia mundial do rock. Noite, agora, já passava das sete da noite. E bares, gentes, carros, luzes as mais variadas e coloridas, gordas, com música ao vivo, possantes, barulhentos, sedentos, estroboscopicamente entrando e saindo de mesas, balcões, pubs, mercados, farmácias, pets... Downtown fervilha. Em cadeiras verdes de plástico pedimos cervejas, caipiras, whiskys, vodkas e tequilas, porque ninguém é de ferro. En passant, lambuzamo-nos com oleosos e amarelados retângulos de polenta por sobre iscas de calabresa, ovos de codorna, queijos quadrados imensos e, pra depressão geral da mesa, corações e corações de galinhazinhas que, há tempos, foram aqueles pintinhos amarelinhos, feito bolinhas de tênis emplumadas, fazendo piu, piu... piu, piu. Mas, azar deles. Pedimos outra ceva e mudamos rapidamente de assunto. E imediatamente lembramos dos Anárquicos e Calculados, que em minutos estariam à nossa frente ali na João Alfredo com a Travessa do Carmo. Showzaço. Borges e Pâmela, meus parceiros de noite, fizeram suas breves explanações cultural-musicais sobre a banda, suas músicas preferidas, performances anteriores e, já de pé, tomamos o rumo do barulho, que já se ouvia a duas quadras dali. Ao entrar na João Alfredo, os acordes das guitarras nos fizeram levitar e, assim, flutuamos diante e sobre milhares e milhares de cabeças loucas, feitas, de nego, dinossauro, ocas, duras... todas. E estacionamos a metros do trio elétrico onde Samuel Meneghetti já mandava ver sua terceira, quarta música bem embalada. E a batera mandando ver atrás, com solos que convidavam a goles e mais goles de cervejas cada vez mais geladas... e a gente tomando, e dançando, pulando... até começar aquela música, aquele momento, aquilo que mudaria o rumo de todo aquele dia-noite mundial do rock. Assim que os primeiros acordes de “O Nome Dessa Rua” ecoaram pelos saguões e corredores e escadarias dos edifícios da Cidade Baixa, minha mente, meus olhos, meus ouvidos, meus cento e dezessete sentidos se ouriçaram e brilhou uma ideia que, porra, vão se fuder, alguém ia ter que ter lá em cima do trio naquela hora... Claro, caralho! Era dia do rock, a rua estava lotada, todo mundo trilili, o som alto pra cacete e, no refrão, Samuel gritaria aos quatro quantos da nossa mui leal e valerosa Porto Alegre que... pãrãrã... “Na Rua da Conquista...aaaa, Travessa Paraísooooooo”. Pô, é lógico que o Samuel Meneghetti vai sacar e trocar, de prima, ou na segunda vez que entoar o refrão, por “Na Rua João Alfredooooooooo,  co’a Travessa do Carmoooooo....”. Meu Deus! Paralíticos andariam. Senhoras emboloradas e cinzentas jogariam seus rolos de cabelo no asfalto, aos gritos, enquanto grupos de lindas e reluzentes garotinhas balouçariam seus peitos nus das sacadas trepidantes das redondezas, além dos casais que, em pleno leito da rua, beijariam-se apaixonados e ensandecidos a comemorar aquele momento mágico que só o bom e velho rock’n roll nos proporciona pela vida afora. Mas, e por toda a nossa vida afora sempre haverão “mas”, mas ninguém teve aquela “minha” ideia. E veio a terceira vez o refrão, e a quarta, e nada. E Borges e Pâmela já haviam feito um sinal concordando com a minha sacada, mas nada acontecia. Até ali. Até aquele instante. Não sei nem como, mas ao tentar correr em direção ao trio, com a lata de cerveja na mão, tropecei feio em algum objeto no chão e, cambaleante, dei encontrões em gente que dançava ali na frente, chegando a encharcar de ceva os peitos voluptuosos e acolchoadamente macios de uma loira que deu o azar de estar bem ali, naquela hora, naquele lugar, na noite mundial do rock. Os passos seguintes foram trôpegos e perigosos, pois as banquinhas de bebidas, algodão doce e churros emparelhavam-se feito colunas militares a avançar sobre mim, por mais que delas tentasse me desvencilhar. Sentia que a música estava terminando... precisava avisá-los antes que fosse tarde demais. Nem notei, pelo frenesi de sons/gritos/luzes/álcool, quando os amigos da loira voluptuosa abriram uma clareira entre as gentes, indignados, bestializados, endemoniados, capetalizados, endiabrados, e com álcool nas mentes, encostaram bufando atrás de mim. Não vi isso. Porque pulava naquele momento escandalosamente em frente ao trio elétrico berrando “na Rua João Alfredoooo”, Samuel!!! “Co’a Travessa Paraísooooo...”. Estão me ouvindo? Ei!!! Aqui!! E ao dizer aqui, agarrado ao trio, caí sobre a pilha de caixas de cerveja e refri, espalhando meu sangue, cacos de vidro e mais barulho ainda naquela hora. Com o rosto no asfalto, vi que Borges e Pâmela já se engalfinhavam com amigos dos amigos da gordinha peituda. Os donos de carrocinhas que tentaram se aproveitar das garrafas que não quebraram foram imediatamente atacados pelo pessoal das bebidas, que usavam essas para defesa e ataque. Ouviu-se sirenes, pneus cantando, gritos e, dizem alguns, até tiros foram disparados. O saldo só se saberia no Diário Gaúcho do dia seguinte, brincou Borges com sua mochila em farrapos às costas, abraçado a uma sorridente e sempre bela Pâmela, mesmo depois de vários chutes e croques nas paletas. A franja, pelo menos, estava impecável. Depois dos pontos e suturas triviais no HPS, despedimo-nos exaustos e felizes. Saranda pra um, altos da Protásio pra outra. E eu, trêbado ainda, botei o fonezinho no ouvido, aumentei o som e... zum. Tomei meu rumo, pensando na noite mundial do rock, nos meus parceiros de festa, nos loucos acordes de uma guitarra e, claro, nos belos e fartos e voluptuosos e molhados e macios peitos da loira que, vocês devem lembrar, eu falei algumas linhas atrás.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Tempero

A água bateu gelada primeiro no pé direito, que estava à leste do mundo, do sol, de tudo. Claro que bateu também no direito, não cheguei a tentar nem quis evitar... Por quê evitar?! É assim que é... o vai e vem das ondas, o vento, o sol, gotas salgadas e minúsculas que te lambem, acariciam e até te temperam pro show diário e maravilhoso do viver. E quando pensei nisso, me veio à mente um big brother só meu em relação ao resto. À direita, imenso, indestrutível, berçário natural de quase tudo, o mar. À frente e para trás, quilômetros e quilômetros e quilômetros de praias paradisíacas e seus banhistas esporádicos, caipiras geladas, corpos esculturais, outros nem tanto, pescadores, surfistas, castelinhos de areia... À esquerda, e aí que rolou a vibe big brother, pra lá está o mundo. Padarias, cartões de crédito, facebook, bolsa de valores, inversão de valores, pitbulls, Pitbull, carnaval, carnificina, gols, politicagens, religiões, business, câmeras de vigilância, 4g, i-tudo, lavagem das escadarias do Bom Fim, lavagem de dinheiro, copa do mundo, uploads e downloads, recalls e upgrades, conceitos e preconceitos... Encrespada a barra, né!? Pois é. Aí a minha prova para permanecer “na casa” seria “casca” (e a bolei quando uma lufada quente de um vento nordestão me lanhou as canelas com areia): contar, um a um, todos os 358.579.034.967.825.193.749.523 grãos de areia existentes na face da Terra. Já pensou?! Vejam bem, não é tão difícil: só os da face. Os que estão dentro do mar não estão tabulados nessa pesquisa e poderão ficar de fora. Alguém aí desistiria dessa prova? Muitos, talvez. Menos eu. Mas faria apenas uma exigência à produção do meu bbb exclusivo: a de que deixassem na despensa da casa algo em torno de 587.493.582.918.703 (se acharem conveniente mais uns 250 mil de reserva, fiquem à vontade) pincéis atômicos pretos para, paciente e criteriosamente, eu pintar cada grão contado. Depois, jogá-lo-ia feliz ao vento novamente, evitando assim de contá-lo mais adiante ou, mesmo, se os ventos mudassem de rota e, de uma hora para outra, ele aparecer em uma praia qualquer que eu estivesse... molhando meus pés e me temperando pro show diário e maravilhoso do viver.