Sábado de tarde. O leve mal-estar ainda persistia. Na noite
anterior, na despedida de uma colega de empresa, a cerveja gelada foi sorvida por
todos com goles os mais antagônicos: alegres, despreocupados, pensativos,
saudosos, irreverentes, reverentes... e a cerveja sendo sorvida bem gelada. Não
deu outra: aquela dorzinha de cabeça chata, que só pareceu aumentar depois que
um toró caiu sobre Porto Alegre no finalzinho da manhã. Mas naquelas: caiu,
molhou tudo, secou e levantou um bafão dos mais quentes. Só deitando depois do
almoço. O joguinho de futsal do Falcão (ele perdeu!) nem me chamava muito a
atenção, por isso mesmo mexia no celular, vendo algumas fotos recentes...
Quando aconteceu! Foi tudo muito rápido. Um passarinho minúsculo, que alguns chamam
de “sebinho”, espécie que tem uma pequena e quase imperceptível coloração
amarela no peito, ou na cabeça (não lembro bem), deu um rasante cinematográfico com pirueta e
duplo twist carpado sobre a minha cama. No retorno em direção à janela, creio
ter ouvido o roçar de suas asas na porta amarela do armário, tudo em
segundos... A minha janela é velha, está estragada, então colocamos uma pedra de
granito pra segurar a parte inferior aberta e a de cima fechada. Pois não
é que o passarinho resolveu voltar à liberdade pela parte de cima, deu de cara no vidro,
bateu as asas meio desnorteado e foi escorregando pra baixo, justamente na parte em que as duas
janelas se encontravam. E ali ficou. Preso. De cara. Estressado. Se debatendo, se machucando,
apavorado entre os dois vidros. Já tinha pulado da cama, feito a foto em
segundos e pensava como tirar o sebinho dali sem machucar mais o cara. E tudo
isso muito rápido, meio trash, meio fim do mundo, meio “bah, quê que eu faço,
meu Deus!”... Duas tentativas frustradas de separar as janelas me levaram ao
plano B, que fiz rápido. Subi numa cadeira e, segurando e empurrando bem a parte
de cima com a mão direita, com a esquerda puxava o que dava a outra lâmina. Duas, três, na quarta
o passarinho passou entre o vão e, como pássaro que é, saiu batendo asas...
Na boa, não me interessa nem um pouco o resultado do jogo do
Grêmio amanhã. O sentimento nessa hora é sobre ter coisas, ter pessoas, ter
posses, ter amigos, parentes e paraísos que são só nossos. Cada qual tem os
seus, e os trocamos, e compartilhamos, e misturamos os nossos com os dos outros
e tudo vira essa geleia geral chamada vida. E eu gosto disso. De psiquiatrizar tudo isso. Só que durante
esse emaranhado de trocas, compartilhamentos e misturas, pagamos o caríssimo pedágio das
perdas, das despedidas, dos tchaus que muitas vezes serão os últimos mesmo. E
isso é foda!
Não tenho como não pensar em saudade, em tristeza, em final,
depois de perdas profundas e incicatrizáveis de pessoas insubstituíveis nos
últimos meses. E o Olímpico e o meu Grêmio ainda vêm colocar toneladas e mais
toneladas de concreto e ferro sobre essa cabecinha um tanto quanto sofrida por perdas,
despedidas, finais, viagens sem volta... Na foto, lá atrás, quase aparece a minha casa. Eu sentia,
até mesmo dali, a respiração do estádio. Isso durante anos, anos e anos.
Mas não. Dor é inevitável, sofrimento é opcional. Esse
passarinho veio me avisar que o novo está ali na esquina. É só nos focarmos
nisso. Talvez no próximo dia de trabalho, no jogo do teu time do coração, naquela
viagem tão sonhada, o beijo finalmente dado. O curso. O mestrado. O sitiozinho
na beira de uma lagoa. Um filho. Um filme... Faça a sua lista, e vá à luta. Ah, voltando ao passarinho: ele, o desastrado
piloto sebinho, poderia ter morrido ali prensado entre dois vidros se não houvesse
alguém que o ajudasse. E coube a mim a feição, a mão, a lição. Valeu, sebinho.
Valeu, passarinho. Voa, passarinho!
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