Atordoado. Algo confuso, taciturno,
quase macambúzio. Anseio trezentas e vinte e sete coisas que com
certeza mudariam para muito melhor os destinos de nós sete bilhões
todos, enquanto convivo com a iminente e quase sempre presente
incerteza de que quatrocentas e cinquenta e nove coisas estão cabeça
a cabeça com as primeiras, ávidas por um final aterrador e cinza e
lúgubre e áspero e ácido que nos aguardaria logo ali, no fim da
linha de qualquer T5, T2 A ou The End, tanto faz. Violência em luta
corporal com o amor. A solidariedade ensanguentada por golpes
constantes e contundentes da impunidade, deslealdade, maldade e
outras dades do mal que, por piedade, são tantas que faltariam dedos
em mãos e pés a enumerá-los... Bem e mal, rico e pobre, preto e
branco, homem e mulher, azul e vermelho, Rússia e Estados Unidos,
cachorros e/ou gatos, piada de mau gosto ou simplesmente piada,
palmada do bem ou palmada do mal, invasão de privacidade ou
interagir com outrem, até quando pode?, quem pode?, quem é?, por
que é?, pra quê?, com quem?, qual o objetivo?, quanto vale?, quanto
pode-se faturar?, fala baixo que ninguém pode saber, sabe com quem
tu estás falano? Caralho, tá chato tudo isso. É muro e mais muro
pra tudo quanto é lado... Na infância, lembro bem, eles eram
primeiramente barreiras, muralhas imensas a serem transpostas. De
tijolos, altos, usava-se de artimanhas e planos estrategicamente
pensados e treinados. Uma pedra do quarteirão, um pneu, caixas de
madeira velhas serviriam. Uma vez lá em cima, o paraíso: era-se
grande, gigante, o horizonte dos dois lados era nosso. E naturalmente
decidia-se pelo melhor que a ocasião oferecia: jogos de futebol,
festas, matadas de aula, um namorico que nem tu imaginava que daria
certo só com aquele assobiozinho despretensioso que, há horas,
lançava na direção da guria mais bonita da rua... E as coisas
aconteciam. Subia-se no muro, decidia-se, fazia-se as coisas e,
felizes, descíamos e íamos pras nossas casas jantar e dormir. Hoje, não! Não
precisa-se de pneus para sentir-se sobre muros, muros e mais muros.
No trânsito, nas escolas, nas delegacias de polícia, nos
restaurantes, nas dr's entre maridos e mulheres e namorados e
namoradas, nas reuniões de condomínio, nas raves entupidas de
gentes e mais gentes de óculos escuros, nos estádios de futebol e
nos ginásios de vôlei, futsal, na Voluntários da Pátria, no
Marinha, no Parcão, no shopping. A BR 101 é válvula de escape e
corda no pescoço; o nepotismo é o ó do borogodó, mas se o primo
da tia do meu bruxo conseguir mexer os pauzinhos lá no Tribunal,
deu, tô dentro; e com estabilidade. Aceitar a passagem que o
motorista está dando ao pedestre é perigosíssimo, pois o
que vem atrás pode ser um que caga e anda pra essas frescuras e
fazer picadinho do cara. Tirocínio, é disso que precisamos.
Estroboscópicos relâmpagos de pensamento pra situações idem,
milhares e imensas a todo instante, isso, aquilo, aquele outro,
decida rápido, não pense muito, cuidado, perigo! E agora essa porra
de Copa da porra da Fifa, pra ajudar nessa Babel de pensamentos. Porra pelo preço,
momento e jeito que aterrissou em nosso país. Em tempo: futebol é
show de bola. Ensina a vencer e, principalmente, a perder. Lapida o
viver em grupo, trabalhar em grupo, ter boas estratégias para
solucionar problemas, massageia o ego de cada um ao sorrir e abraçar
e pular com seus iguais em dias/noites de duras vitórias... E está
instalado, é fato, é realidade, é da vida... Bem como os que não
o entendem assim. E o detratam, o condenam, o execram em praça
pública. Há espaço pra todos. E os entendo todos. E malditamente
me transporto aos topos dos muros de minha infância, só que agora
para decisões tremendamente mais importantes e decisivas em
minha/nossas vidas. E lá de cima, dos píncaros dos muros de minha infância,
gostaria de poder visualizar esta porra de Copa do Mundo com estádios
repletos de pessoas que gostam de futebol e, no entorno deles,
milhares e milhares e muitos milhares de pessoas que, não tendo o
mesmo entusiasmo pelo esporte, ocupassem esses espaços e, também
sorrindo, aos gritos, aos berros, socos no ar, com bandeiras e
cartazes gigantes, soltassem a voz em busca de melhores condições
de saúde, educação, transporte, segurança, habitação. E que ao
final dos quarenta e cinco minutos regulamentares dos segundos tempos de cada jogo,
esses milhares que estavam dentro do estádio, exercendo e vivendo
seu direito intransferível de gostar de algum esporte, de forma
animada e solidária também tomassem as ruas, sorridentes, inflando e tornando maior e mais bonito