domingo, 8 de junho de 2014

Muros da infância...

Atordoado. Algo confuso, taciturno, quase macambúzio. Anseio trezentas e vinte e sete coisas que com certeza mudariam para muito melhor os destinos de nós sete bilhões todos, enquanto convivo com a iminente e quase sempre presente incerteza de que quatrocentas e cinquenta e nove coisas estão cabeça a cabeça com as primeiras, ávidas por um final aterrador e cinza e lúgubre e áspero e ácido que nos aguardaria logo ali, no fim da linha de qualquer T5, T2 A ou The End, tanto faz. Violência em luta corporal com o amor. A solidariedade ensanguentada por golpes constantes e contundentes da impunidade, deslealdade, maldade e outras dades do mal que, por piedade, são tantas que faltariam dedos em mãos e pés a enumerá-los... Bem e mal, rico e pobre, preto e branco, homem e mulher, azul e vermelho, Rússia e Estados Unidos, cachorros e/ou gatos, piada de mau gosto ou simplesmente piada, palmada do bem ou palmada do mal, invasão de privacidade ou interagir com outrem, até quando pode?, quem pode?, quem é?, por que é?, pra quê?, com quem?, qual o objetivo?, quanto vale?, quanto pode-se faturar?, fala baixo que ninguém pode saber, sabe com quem tu estás falano? Caralho, tá chato tudo isso. É muro e mais muro pra tudo quanto é lado... Na infância, lembro bem, eles eram primeiramente barreiras, muralhas imensas a serem transpostas. De tijolos, altos, usava-se de artimanhas e planos estrategicamente pensados e treinados. Uma pedra do quarteirão, um pneu, caixas de madeira velhas serviriam. Uma vez lá em cima, o paraíso: era-se grande, gigante, o horizonte dos dois lados era nosso. E naturalmente decidia-se pelo melhor que a ocasião oferecia: jogos de futebol, festas, matadas de aula, um namorico que nem tu imaginava que daria certo só com aquele assobiozinho despretensioso que, há horas, lançava na direção da guria mais bonita da rua... E as coisas aconteciam. Subia-se no muro, decidia-se, fazia-se as coisas e, felizes, descíamos e íamos pras nossas casas jantar e dormir. Hoje, não! Não precisa-se de pneus para sentir-se sobre muros, muros e mais muros. No trânsito, nas escolas, nas delegacias de polícia, nos restaurantes, nas dr's entre maridos e mulheres e namorados e namoradas, nas reuniões de condomínio, nas raves entupidas de gentes e mais gentes de óculos escuros, nos estádios de futebol e nos ginásios de vôlei, futsal, na Voluntários da Pátria, no Marinha, no Parcão, no shopping. A BR 101 é válvula de escape e corda no pescoço; o nepotismo é o ó do borogodó, mas se o primo da tia do meu bruxo conseguir mexer os pauzinhos lá no Tribunal, deu, tô dentro; e com estabilidade. Aceitar a passagem que o motorista está dando ao pedestre é perigosíssimo, pois o que vem atrás pode ser um que caga e anda pra essas frescuras e fazer picadinho do cara. Tirocínio, é disso que precisamos. Estroboscópicos relâmpagos de pensamento pra situações idem, milhares e imensas a todo instante, isso, aquilo, aquele outro, decida rápido, não pense muito, cuidado, perigo! E agora essa porra de Copa da porra da Fifa, pra ajudar nessa Babel de pensamentos. Porra pelo preço, momento e jeito que aterrissou em nosso país. Em tempo: futebol é show de bola. Ensina a vencer e, principalmente, a perder. Lapida o viver em grupo, trabalhar em grupo, ter boas estratégias para solucionar problemas, massageia o ego de cada um ao sorrir e abraçar e pular com seus iguais em dias/noites de duras vitórias... E está instalado, é fato, é realidade, é da vida... Bem como os que não o entendem assim. E o detratam, o condenam, o execram em praça pública. Há espaço pra todos. E os entendo todos. E malditamente me transporto aos topos dos muros de minha infância, só que agora para decisões tremendamente mais importantes e decisivas em minha/nossas vidas. E lá de cima, dos píncaros dos muros de minha infância, gostaria de poder visualizar esta porra de Copa do Mundo com estádios repletos de pessoas que gostam de futebol e, no entorno deles, milhares e milhares e muitos milhares de pessoas que, não tendo o mesmo entusiasmo pelo esporte, ocupassem esses espaços e, também sorrindo, aos gritos, aos berros, socos no ar, com bandeiras e cartazes gigantes, soltassem a voz em busca de melhores condições de saúde, educação, transporte, segurança, habitação. E que ao final dos quarenta e cinco minutos regulamentares dos segundos tempos de cada jogo, esses milhares que estavam dentro do estádio, exercendo e vivendo seu direito intransferível de gostar de algum esporte, de forma animada e solidária também tomassem as ruas, sorridentes, inflando e tornando maior e mais bonito
um movimento/sentimento que, desde sempre, só tem um e vital objetivo: uma vida melhor, mais igual e mais digna a todos nós. Há espaço pra todos, pra tudo, pras diferenças, pros diferentes. E que possamos, todos, descer de nossos muros atuais e dos da infância e, felizes, irmos para nossas casas jantar e dormir.

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