
Os dois sentaram bem no canto, embaixo de uma televisão preto e branco que passava uma aula de física quântica do telecurso septuagésimo trigésimo oitavo grau, da Fundação Roberto Marinho Neto e com a chancela publicitária da sua, da nossa, da de todos nós juntos, mas todos mesmo, sem exceção, Tabacaria do Seu Glênio, ali, dobrando na Sertório, anda mais três quadras, entra à direita e já vê, de longe, na subida do morro, a casa verde com janelas verde clarinhas. É ali. (Entra jingle: "Tabacaria do Seu Glêeeeeenio. Tem do modess ao balão de oxigêeeeeeenio!"). Durante o comercial seguinte Eme não resistiu e, após gritar mais uma brahma ao caixa-varredor-balconista-garçom-leão-de-chácara Zoínho (o pobre não tinha dois dedos da mão esquerda), interpelou Agá sem pestanejar:
"Chega, Agá, eu não suporto mais os seus agarramentos com Ce, as noites passadas com Ene e seu irmão Ele e, ainda por cima, agora deu pra sonhar com o maldito Esse, desde que começaram a frequentar shows, shoppings e essas frescuras todas dos gringos. Pra mim deu, Agá."
"Calma, Eme!", balbuciou Agá lamentosa e gosmenta. "E tu, hein, tu que não larga o pé daquelas duas barangas nojentas e antipáticas; o que que elas têm que eu não tenho? Fala, Eme."
"Falar o quê? De quem tu tá falando, pô?"
"Ora, ora, tá esquecido, é? A piranha da Pe e aquela clarimunda da Be, e tu sempre atrás delas, e elas sempre de costas pra ti, as duas rindo de mim..."
"Entende de uma vez por todas, Agá: isso faz parte do nosso trabalho, do nosso jeito de ser, da nossa língua..."
Por volta das sete da manhã, as gargantas secas de tanto bate-boca inútil, os dois já bastante altos e se sentindo estranhamente caixa baixa, chamaram pela última vez o Zoínho e, jogralescos, sentenciaram:
"A saideira, Zoínho."
Na tevê, começava Bom Dia Brasil, num oferecimento de Funerária Black Future, a única, e bota única nisso, a única no ramo com esquifes equipados com aparelho de dvd blue ray, ar condicionado, posto do sus, completa bibliografia de Adolf Hitler e circuito interno de tevê que só passa os trapalhões e domingões do faustão sem as videocassetadas. "Funerária Black Future: você ainda vai precisar de nós. Ah, vai!"
muito bom Tuty...adorei!
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