sexta-feira, 26 de agosto de 2011

No bunker

O som dos reco-recos entrou ribombando nos pavilhões esquerdo e direito de Ferbundo Bollor, deslizando por estes até colidir em frontal com os timpânicos amplificadores da sua consciência. "Fora", "Deu Pra Ti", "Milho da Gruta" e outros. Ele afundou a cabeça no travesseiro Yves Saint Exupéry, ergueu aerobicamente os braços, peidou em alto e bom som e, quando ia terminar um grande bocejo, foi interrompido pela estrepitosa e borralheiresca adentrada de Gozane, acompanhada como sempre de seus trinta e cinco guarda-costas-lados-frente-coxas-boca: "Amor, chama um camburão e mete essa meia dúzia de jegues molhados (genérico alagoano de gatos pingados) na solitária". "Cala essa matraca, o praga! As luz! Apaga as luz ligero!" O local não tinha mais o fausto da Cabana da Prima, em Baunilha, mas a comida ainda era farta em carne de sol, leite de coco, rapadura e farinha, muita farinha. As acomodações eram as mais variadas e graciosas, desde cubículos privativos um por um, com redes muito bem acabadas e confortáveis, passando por beliches um por meio, emparedados, forrados com sacos de estopa novinhos, e culminando com resmas e resmas de papel espalhadas pelos corredores fétidos, úmidos e iinfestados de ratos, baratas e outros insetos, papéis estes que sobraram de campanhas eleitorais do passado. Aliás, sobre estas resmas, dizem que são o local preferido de Tesesa, a cunhada de Ferbundo, para a sua prática esportiva predileta: dar pulinhos. Carl Lewis que se cuide, é a última anedota que anda fazendo o pessoal gargalhar e se mijar e vomitar carne de sol de tanto rir lá embaixo. Risos que só são interrompidos pela chegada do hieróglifo, hipnótico, hipertenso, híbrido e anti-higiênico administrador do bunker. O deus, o todo-poderoso, o único: B.R. Fez. É a ele que todos aplaudem e idolatram, as mulheres se rasgam, os homens se abichonam e as crianças ranhentas choram e babam tudo ao mesmo tempo. Uma consagração. Coisa que deixa Ferbundo indignado. Afinal, ele e alguns amigos, seus irmãos Medro e Leopolvo, e muitos outros, estavam sendo ludibriados por B.R. Fez. Não era aquilo que tinha sido combinado quando do início da construção da minifortaleza de quinze por dez, no fundo do pátio e da piscina da Cabana da Prima. Enquanto ele e os outros carregavam as pedras, o cimento e a areia  pro buraco, ele (Fez) não saía da casa principal, calculando os gastos da família Bollor, com a assessoria sempre presente de Gozane, Tesesa, secretárias e mais secretárias. Bem. Bundinho (apelido de infância de Ferbundo) não aguentava mais aquela situação. Correu desesperado até a entrada de ar. Respirou ofegante, mas decidido: pisando sobre pernas de crianças no chão, interrompendo o entrecurso carnal de um garotinho com uma velha alagoana de seus sessenta e poucos anos, de sua boca espolcavam feéricos e raivosos perdigotos ao gritar sua repulsa: "Larguei, B.R., larguei. Hoje é cinco ou seis de agosto de 2004, tu disse que em pouco tempo a gente saía dessa. E até agora, nada. Nem um bife, B.R.!" Ao que B.R., de bate-pronto, retrucou: "Calma, Bundinho, calma". E sendo ovacionado se deslocou em direção às pilhas de papel, onde Gozane e Tesesa promoviam brincadeiras para os homens do local: "Agora é eu!". E os reco-recos recomeçaram...

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